Confira o editorial publicado pelo Grupo ND de Comunicação:
Santa Catarina não é — e jamais será — o curral eleitoral de qualquer liderança política, por mais votos que tenha conquistado neste Estado. A tentativa do ex-presidente Jair Bolsonaro de impor o nome do seu filho Carlos Bolsonaro como pré-candidato ao Senado Federal por Santa Catarina é um desrespeito à inteligência e à maturidade política dos catarinenses.
Mais do que isso: revela um desprezo pela história, pela identidade e pela autonomia política de um povo que sempre soube se autogovernar com dignidade. É verdade que os catarinenses votaram expressivamente em Bolsonaro. Em 2018, no segundo turno, ele foi escolhido por 75,92% dos eleitores. Quatro anos depois, em 2022, ainda obteve 69,27% – a maior votação proporcional entre todos os Estados.
Aqui Bolsonaro encontrou palanque, motociatas, aplausos, férias com jet ski e calorosa recepção. No entanto, os votos recebidos não foram retribuídos com investimentos federais ou políticas públicas à altura da confiança depositada. Durante seu governo, o ex-presidente raramente ouviu nossas lideranças, dialogou com setores produtivos ou se conectou à sociedade catarinense de forma efetiva. Ele ficou devendo.
Ainda assim, o bolsonarismo criou raízes em Santa Catarina. Não por submissão cega ao líder, mas por afinidades evidentes: valores familiares, culto ao trabalho, religiosidade, patriotismo, repulsa à criminalidade. Somos um Estado marcado pela forte presença de famílias de origem europeia, com uma cultura que valoriza disciplina, ordem e mérito. Mas isso não autoriza ninguém — nem mesmo um ex-presidente — a tentar transformar o Estado em um quintal para resolver demandas familiares ou eleitorais.
Jair Bolsonaro teve o mérito de despertar a cidadania, o patriotismo e valores tão caros aos catarinenses. Acordou os brasileiros para temas que estavam associados à pauta conservadora, com forte apelo à direita e ao nacionalismo, defendeu uma economia liberal, centrada na redução do papel do Estado na economia, privatizações e responsabilidade fiscal.
No entanto, fracassou em sua promessa de transição, em parte por sua postura conflitiva com instituições, de permanente embate com a mídia, sem diálogo aberto com a sociedade. Esta atitude nada agregou, só aprofundou o divisionismo que já existia entre direita e esquerda e que persiste até os dias atuais pelos seus apoiadores.
Bolsonaro mantém sua liderança, inegável, mas poderia exercê-la com grandeza — sobretudo em relação a Santa Catarina. Em vez de impor nomes, deveria ouvir lideranças locais, respeitar o eleitorado que lhe foi leal e reconhecer o protagonismo regional.
Em 2022, ao indicar o carioca Jorge Seif ao Senado catarinense, promoveu alguém sem raízes locais, que pouco se integrou à vida pública do Estado. Repetir agora a fórmula com Carlos Bolsonaro, vereador no Rio de Janeiro há 20 anos, é ainda mais grave. É confundir gratidão eleitoral com servidão política.
Santa Catarina não tem carência de lideranças. Pelo contrário. O Estado já foi representado por figuras de peso como Jorge Konder Bornhausen, ex-presidente de partido e ministro de Estado; Luiz Henrique da Silveira, que disputou a presidência do Senado e liderou o PMDB nacional; Esperidião Amin, atual senador e ex-candidato à Presidência da República; e Vilson Kleinübing, senador lembrado como um exemplo de ética na política. Esses nomes simbolizam uma tradição política forte, com representação legítima e influência nacional.
No atual PL, partido de Bolsonaro, destacam-se lideranças expressivas como Caroline De Toni, ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara; Júlia Zanatta, deputada combativa e atuante; e Kennedy Nunes, com profunda conexão com a base conservadora. Fora do partido, nomes como o próprio Amin seguem como referências. São quadros com enraizamento social, voto legítimo e reconhecimento popular. Qualquer um deles possui densidade política suficiente para disputar — com mérito próprio — uma vaga ao Senado.
Não se trata de rejeitar Bolsonaro ou suas bandeiras. Trata-se de exigir respeito. O respeito que um líder deve à terra que o acolheu como poucas. Respeito que se manifesta na escuta, no diálogo, na valorização de lideranças locais — e não na imposição de sobrenomes ao projeto político de um Estado.
Se Bolsonaro deseja manter sua influência em Santa Catarina, que o faça de forma madura. Nosso Estado nunca teve coronelismo e não é agora que vai ter. O eleitor catarinense quer ser representado por quem conhece suas cidades, seus desafios, sua cultura. O bolsonarismo tem espaço aqui — mas não é monopólio de uma família.
Santa Catarina tem vocação para o protagonismo, não para a submissão. Está na hora de reafirmar isso. Aqui se valoriza a liderança firme, mas se rejeita a tutela. Aqui se vota com o coração, mas também com consciência. E essa consciência política, ao que tudo indica, não será barganhada por nenhum sobrenome. A política catarinense deve servir ao povo — e jamais aos projetos de dinastias.